terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Entrevista com Cristiane Grando

Ela é a Autora do livro "FLUXUS" que inspirou o filme de mesmo nome e  que é um dos orgulhos do projeto Cinema Possivel.
Vamos conhecer a vida, a obra e os projetos de Cristiane Grando.


CINEMA POSSIVEL - Algumas pessoas dizem que estudar, estudar e estudar pode ser uma vocação ou até mesmo um impulso em direção a algo misterioso que nunca se encontra. Você, evidentemente que, sendo muito jovem, tem tido uma dedicação plena à leitura e à busca do conhecimento, o que a coloca num patamar de menos de 5% da população brasileira. Você se sente só? É uma forma de fugir da morte? É um senso de compromisso?
CRISTIANE GRANDO - Ler me proporciona, muitas vezes, o prazer da descoberta. É uma forma de desvendar um pouco mais o mundo. Assim como viajar. A leitura de textos de literatura mexe muito com o imaginário; você lê e imagina os personagens, os cenários que eles frequentam... A literatura trabalha com a imagem acústica: os escritores descrevem cenas, pessoas, relacionamentos, mas boa parte do que o leitor enxerga mentalmente ao realizar uma leitura depende de seu próprio imaginário e de suas experiências de vida.
No meu caso, a leitura tem um senso de compromisso pois sou educadora e escritora, o que me torna duplamente responsável por tudo o que falo e escrevo. A leitura funciona como um meio de busca de conhecimentos mais profundos dos assuntos que abordo em aulas e livros.
Muitas vezes também leio para me sentir só. A solidão necessária para ler me faz bem; sinto-me em paz, sinto-me instigada a criar... É maravilhoso ler, especialmente quando estou num ambiente de silêncio.

CP - Uma tese de Doutorado sobre Hilda Hilst na USP, um Pós-Doutorado na UNICAMP... a escolha foi uma provocação?
CG - Quando decidi estudar Hilda Hilst, em 1995, não tinha muita ideia do compromisso que estava assumindo. A Hilda merece ser estudada, aliás, se me permitem uma sugestão, diria que todos os poetas jovens deveriam conhecer profundamente a obra da Hilda Hilst, pois é uma experiência de crescimento enquanto ser humano e enquanto ser que utiliza a linguagem de forma inovadora e poética, questionando sempre o mundo, as atitudes e pensamentos dos seres humanos.

CP - Como se deu seu primeiro contato com Hilda Hilst!?
CG - Lendo seus poemas. Foi uma experiência tocante! Amava tudo o que lia e não compreendia bem o porquê. A Hilda consegue transmitir todo um universo da mulher-amante e da poeta, da mulher que assume seu espaço em pé de igualdade com o homem, num mundo dominado geralmente pela visão masculina. A Hilda foi longe com seu trabalho literário e suas atitudes na vida em sociedade, contribuindo muito certamente para a conquista de um espaço feminino de direitos iguais entre homens e mulheres. Sempre lutarei por isso e vejo na Hilda uma inspiração nesse sentido. A Hilda como pessoa é extremamente generosa. Mas, num primeiro contato, costuma provocar medo, estranhamento e encantamento ao mesmo tempo. A Hilda é muito diferente da mulher e do homem convencionais; é inteligentíssima, um ser de muito valor, com uma profunda sensibilidade. É alguém que leu muito e refletiu sobre a vida, o mundo, os relacionamentos humanos. Seu conhecimento, de tão amplo, acaba provocando medo em algumas pessoas, o que a deixa triste. Acho que ela não compreende que é vista e valorizada por muitos como se fosse uma cordilheira, por sua grandeza e imensidão, o que algumas vezes pode provocar um certo frisson.

CP - Da pequena Cerquilho-SP, você conquistou o título de doutora pela USP, fez pós-doutorado na UNICAMP, viveu na França onde se especializou e ainda tem esta movimentação rápida de estar circulando pelo imenso Brasil. Agora uma carreira de Docente na República Dominicana. O mundo é hoje uma grande Cerquilho ou Cerquilho é o mundo?
CG - As duas coisas. Minha proposta é atuar na região estando sempre conectada ao mundo, o que influencia certamente a forma de pensar e agir, tornando-a mais próxima à realidade e à expressão cultural e científica da atualidade. Tento conectar Cerquilho ao mundo através de minhas viagens, levando às pessoas que não saem experiências pelas quais passo. O projeto Jardim das Artes: espaço cultural e residência internacional de artistastem esse objetivo. Nesse momento, estou trabalhando com o arquiteto e professor Jorge Bercht. Com o Jardim das Artes e as atividades culturais municipais, Cerquilho deixará de ser uma cidade praticamente desconhecida para ser um ponto de referência cultural e de educação, um espaço de troca de experiências entre todos os interessados em participar de projetos de crescimento profissional e humano. Esse é meu desejo.

CP - O Brasil conhece pouco a poesia chilena e sei que você tem um amor por esse país. E agora também pela República Dominicana. Como você vê a possibilidade de um encontro maior da nossa língua e cultura com o que acontece nesses países?
CG - Conheci o poeta chileno Leo Lobos no Centre d´Art Marnay Art Center (CAMAC), onde moramos quatro meses, em 2002, realizando uma residência artística graças à bolsa UNESCO-Aschberg de Literatura no CAMAC, instituição francesa patrocinada pela Fundação Frank Ténot e pelo Ministério da Cultura da República Francesa, está localizada em Marnay-sur-Seine. Com o Leo, conheci muito da cultura chilena, de maneira viva e dinâmica, ao participar de eventos culturais em Santiago especialmente.
Moro há quatro anos na República Dominicana, onde vim como professora convidada pela Embaixada do Brasil e pela Universidad Autónoma de Santo Domingo (UASD). Há dois anos a Embaixada inaugurou o Centro Cultural Brasil-República Dominicana em São Domingos, do qual sou diretora-fundadora. Nesses quatro anos, aprendi a conhecer profundamente e a amar a cultura dominicana. Também foram anos de muita experiência como gestora cultural.
É verdade que nós, brasileiros, conhecemos muito pouco da cultura e da história dos países da América. Cabe a nós, artistas, mudar essa situação através de intercâmbios culturais, troca de informação via internet, viagens pela América e pelo mundo, divulgando nosso trabalho e de nossos contemporâneos, e estando sempre abertos, é claro, a conhecer, a estudar e a valorizar outras culturas.

CP – No Cinema Possível nós tivemos o prazer de filmar um poema seu muito importante: o Fluxus. Nosso projeto é de inclusão social. Como você percebe o fato de sua poesia circular por lugares muito diferenciados como escolas de ensino fundamental e comunidades de lugares como o Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Amapá?
CG - Maravilhoso! Viajar pelo Brasil em palavras e sons. Porque poesia é música. Mas um tipo de música diferente. É cantar apenas com a voz, com os fonemas. Seguir o ritmo que cada poema exige.
Ser parte de um projeto de inclusão social é também maravilhoso. Parabéns pela iniciativa de levar projetos culturais e educativos a várias partes do nosso país!

CP – Quem você lia, lê, lerá sempre? E quem você está lendo agora?
CG - Quem estará sempre em minha vida e em minha mente: Hilda Hilst, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Machado de Assis, Charles Baudelaire. Leituras da Bíblia, budismo, hinduísmo e taoísmo.
Atualmente, estou lendo e traduzindo ao português um escritor espanhol: Ignacio Sánchez. Trata-se de uma obra magnífica: `El Áfrika Star´. Ele viveu em Dakar por vários anos. Atualmente reside na República Dominicana. Pretendemos lançar este livro em espanhol, português e francês em vários países. Contamos com o apoio do artista plástico haitiano Sené Jean-Marcel e da pesquisadora e gestora cultural espanhola Mireia Tresserras, com quem estamos realizando vários projetos, entre eles traduções de textos literários, conferências sobre vários temas culturais e exposições de desenhos e pinturas.

CP – Você está apaixonada e flertando com a música. Há um encontro entre música e literatura? Na época de Vinicius de Moraes a crítica reclamava, dizendo que ele deveria ser só poeta. Arnaldo Antunes passeia pela música e pela pesquisa sonora, Leminski foi um multimídia e você, como se vê, neste panorama?
CG - 2011 é o ano da música em minha vida. Assumi o compromisso, com a Rádio Educativa Dominicana (RED), de realizar todas as sextas-feiras o `Sextarte: viernes musical´ no Centro Cultural Brasil-República Dominicana. Duas vezes por mês Elias Tejeda, da RED, coordena palestras sobre música dominicana; duas vezes ao mês eu me encarrego de realizar palestras ilustradas sobre música brasileira. A ideia é que o projeto cresça e que inclua música ao vivo na última sexta do mês. Também é o ano da música porque decidi realizar um sonho de infância: o de ser cantora. Encontrei um músico dominicano fabuloso, o Francis, que toca de cor muita música brasileira. Ele no violão e eu cantando encontramos boa sintonia. Estamos ensaiando e nos apresentando todos os sábados no restaurante catalão La Masia, na cidade colonial de São Domingos. Está sendo delicioso cantar, receber os amigos. Muito divertido e interessante, por difundir a música brasileira e porque estou estudando muito para ampliar o repertório. Além disso, o mais belo é que a alma se sente leve. As pessoas percebem e me perguntam: o que aconteceu... você está mais bela, mais feliz.
A música sempre fez parte da minha vida. Meu avô paterno, meu pai, tio e primos tocavam algum instrumento musical desde antes de eu nascer. Ou seja, fui gestada ouvindo música, nasci e cresci com música ao meu redor. Participei por muitos anos de coral infantil e adulto na igreja católica, quando era criança e adolescente. Por isso minha poesia é tão musical; porque tenho a música em meu mundo interior. Cada poema tem um ritmo único e exato.
Acredito muito no multiartista. Sendo vários ao mesmo tempo, ganha-se muito, porque as distintas modalidades artísticas falam muita coisa em comum. E circulando por várias modalidades, aprende-se sempre algo de uma que serve para desenvolver bem a outra. Assim acontece com as religiões. É uma bobagem um artista ou pesquisador se fechar em uma única área do saber, a menos que esse seja o seu desejo. Se esse é o caso, há de se respeitar. O que não aceito é que outras pessoas – ou críticos – queiram dizer o que um artista deve ou não fazer. A liberdade interior é a primeira condição para ser artista. E também para crescer espiritualmente.

CP – Quem é Cristiane Grando por Cristiane Grando?
CG - Mulher, acima de tudo. E cada dia mais feliz com meu ser, com meu corpo, comigo mesma. Buscando, a cada minuto da vida, me concentrar no presente. Ser um presente para o universo – o que cada um de nós deveria ser e como deveria se sentir com relação aos demais e ao cosmo.


Veja a bibliografia de Cristiane Grando, é só clicar aqui
Centro Cultural Brasil-República Dominicana aqui

FLUXUS
(fragmentos)


pensas
que sou feita
de carne, ossos, sangue?

não

sou vento, chuva, fogo, nada

às vezes
é bom sentir fome
para só depois morrer
de saudade

meu último poema:

insuportável a perfeição do gozo

sangue
vejo somente sangue

e chuva

para que a introspecção?
para que ver o obscuro?
  
me ama mas não me olha
com a profundidade
dos olhos que não vêem

sinto a falta de suas mãos

é como se no mundo
já não existissem
nem um pai
nem um deus

escrever pode ser um ato de amor
mas também o suicídio
das palavras

alguém canta ao longe
alguém canta em meus ouvidos surdos

náuseas
eu que estou quase morta
da vida e do silêncio

escrevo para ser
porque estou
e ainda corre
o vermelho da vida

escrevo num fluxo dinâmico de estrelas
num quase-escuro do quarto
para não ver as letras
para ver somente para ver

a perfeição

infernal o calor do corpo suando sob as roupas

sei da angústia de Virginia Woolf
e dos hormônios da mulher
que explodem como vulcões

tenho medo dos terremotos;
sou filha destes movimentos que moram desde sempre
em minha paisagem
que graça, leveza e peso
carregam as palavras e os filhos
que hão de chegar
um dia

poeta-escultor-de-silêncios-e-pedras
que doçura e amargo
suportam os fonemas e os versos

a morte e seu duplo vêm
seduções e mistérios
marmortemar
a morte vem
a morte que habita em mim
a morte e seus ecos

queria tanto ser homem
e talvez assim
pudesse ser menos
morte

abandono é o meu nome
meu ser gestado pelo tempo

cicatrizes no rosto
muito mais que as rugas

cicatrizes na cara
em que o mundo bate
e bate e bate
como o vento nas janelas
de uma casa abandonada

escrevo
como se fosse um só grito
na noite

escrevo, escrevo e escrevo
energia escura do multiverso

pluriversa-se a noite
e anoitece ainda mais

(Cristiane Grando)

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Bárbara Morais, atriz.


"Assim como o Teatro e a Fotografia, o Cinema deixa evidente uma forma de vida com muito mais sentido e significado do que a burocracia estável que a instituição familiar tradicional tanto recomenda. A possibilidade de transformar as descobertas nestes campos em uma atividade profissional e independente é algo que busco, sorrindo". 
- Bárbara Morais.



Clique e viaje no filme FLUXUS






7 comentários:

  1. Parabéns, Cris! por esse extraordinário e denso poema, gostei muito.

    Lindo o trabalho da jovem atriz, uma leitura visceral. Maravilha a coreografia entre as palafitas.

    Jiddu, coimo sempre, vc consegue extrair o poético em suas propsotas estéticas.

    Abç! p/ todos!

    Tchello d'Barros
    (fã do Cinema Possível)

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  2. Mis saludos y felicitaciones por esta entrevista, que deja el sabor de una grata conversación, abrazo grande desde Santiago de Chile,

    Leo Lobos

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  3. ...traigo
    sangre
    de
    la
    tarde
    herida
    en
    la
    mano
    y
    una
    vela
    de
    mi
    corazón
    para
    invitarte
    y
    darte
    este
    alma
    que
    viene
    para
    compartir
    contigo
    tu
    bello
    blog
    con
    un
    ramillete
    de
    oro
    y
    claveles
    dentro...


    desde mis
    HORAS ROTAS
    Y AULA DE PAZ


    COMPARTIENDO ILUSION
    CINEMA POSIVELL

    CON saludos de la luna al
    reflejarse en el mar de la
    poesía...




    ESPERO SEAN DE VUESTRO AGRADO EL POST POETIZADO DE MONOCULO NOMBRE DE LA ROSA, ALBATROS GLADIATOR, ACEBO CUMBRES BORRASCOSAS, ENEMIGO A LAS PUERTAS, CACHORRO, FANTASMA DE LA OPERA, BLADE RUUNER ,CHOCOLATE Y CREPUSCULO 1 Y2.

    José
    Ramón...

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  4. por aqui nem só beleza
    nesses dias de paupéria
    nação de tanta beleza
    país de tanta miséria

    http://goytacity.blogspot.com/2011/03/turma-dos-panos-quentes-e-agora-quem.html

    ventilador – jiddu saldanha – cinema possível
    http://www.youtube.com/watch?v=SVpwfLpwp00

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  5. Que bonita surpresa ler esta entrevista e me lembrar dos fluxos que a poesia e o cinema sempre trazem.
    Já gostava muito de Hilda Hilst antes de conhecer e interpretar o poema da Cristiane Grande. Depois disto a sonoridade destas palavras nunca foram embora "marmortemar"!
    Obrigada pelas referencias sobre a literatura pois serão de grande valor!
    Parabéns pela entrevista e por ter escrito este poema que tem uma sonoridade e significado incríveis! Bárbara Morais

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  6. Obrigada/gracias a todos!!!!
    Cristiane Grando

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